sábado, 8 de setembro de 2007

CRIANDO ORGANIZAÇÕES ECOLÓGICAS E COMPLEXAS














“Houve
uma grande escalada tecnológica sem elevação das idéias. Elevamos nossa posição sem elevar nossa visão. Percorremos os céus com as máquinas do inferno – seja qual for o sucesso do homem em organizações intermediárias, ele deixou de fazer uma organização do todo. Suas energias foram gastas em projetos interinos. Ele transformou seu mundo numa entidade geográfica sem uma filosofia que o enobreça, sem um plano que o conserve e sem uma organização que o mantenha.”
Norman Cousins

A reflexão acima do escritor americano Norman Cousins é de uma profundidade imensa e muito oportuna aos debates em torno da questão ambiental, que se tornaram prioridade na sociedade contemporânea. Daí surgem alguns questionamentos: Mas o que é que as organizações (empresas e instituições) têm a ver com o aquecimento global? Elas também provocam as mudanças climáticas? Será que uma organização pode funcionar conforme os princípios que regem a natureza? Será que podemos falar em organizações ecológicas e complexas? Vou tentar responder, na medida do possível, em bases científicas.





















A questão ecológica tornou-se tão relevante, dada a sua gravidade, que este campo de estudo acabou se diversificando. Comporta várias dimensões. Uma é a Ecologia Organizacional, que entende as organizações como entidades auto-organizantes e em contínua evolução. Outra é a Ecologia Profunda, de Fritjof Capra, que vê o homem como parte da natureza, inserido em seus processos cíclicos. Também há a Ecologia de Redes, que considera o acoplamento e a interdependência entre os diversos níveis de organização. A proposta aqui é investigar as organizações sob estes três prismas.

Depois da família, as organizações - representadas pelas empresas e instituições públicas - são consideradas as instâncias essenciais ao saudável funcionamento da sociedade. E, atualmente, o sentimento percebido é o de que as nossas organizações estão em profunda crise e não conseguem mais atender aos propósitos pelos quais foram criadas. Usando o conceito de acoplamento estrutural do renomado biólogo chileno Humberto Maturana, diria que houve um desacoplamento: as organizações, enquanto sistema, perderam a conexão com o mundo externo, ou seja, estagnaram (ou evoluíram a passos muito lentos) e não acompanharam o supersistema do qual fazem parte, a sociedade, que mudou - suas demandas cresceram em complexidade e diversidade. Não conseguimos atender estas novas demandas porque ainda predomina o modelo mental linear nas empresas e instituições, que hoje se manifesta em suas formas mais virulentas: autoritarismo, corrupção, concentração de riqueza, degradação ambiental etc. Portanto, não houve a necessária aprendizagem para introdução, em nossas organizações, de novos modelos mentais (mudança cultural) e de técnicas de gestão desta era pós-industrial ou era do conhecimento. Por isso falta coerência nas nossas práticas administrativas frente às ameaças e oportunidades do difícil contexto atual.

O objetivo último das organizações, sobretudo as do setor público (onde a lógica de mercado não constitui a principal base de funcionamento), é a geração do bem-estar da vida humana em sociedade. Logo, podemos dizer que o grande negócio de qualquer organização é, em última instância, contribuir efetivamente para a consolidação de uma sociedade democrática e justa em que todos os seres humanos possam estar incluídos no sistema produtivo e, assim, viver dignamente em comunidade. Não obstante o avanço tecnológico alcançado pela humanidade, esta tão desejada e esperada justiça social – aquela que gera cidadãos de fato – parece distanciar-se cada vez mais. E isto afeta o desenvolvimento social que, por sua vez, afeta o cuidado que se deve ter com o meio ambiente e este retroage sobre toda a cadeia - é a lógica da teia da vida. Ou seja, sob esta perspectiva, será que as nossas organizações estão sendo ecologicamente corretas? Se continuarem atuando na linearidade, a resposta será não. Aliás, estão na contramão da "nova ciência" que vê o mundo em sua totalidade complexa.

Mas, nem tudo está perdido. Podemos delinear alternativas reais para melhorarmos o mundo das organizações. O ato de trabalhar em coletividade na sociedade complexa em que vivemos requer um pensar e um agir complexo. É o que a ciência vem dizendo nas últimas décadas: tudo no universo é complexidade. Logo, para criarmos organizações complexas e ecológicas, sugiro três iniciativas ecologicamente corretas, que se retroalimentam e se complementam:

1 – Ecologia Organizacional: permitir o alvorecer da auto-organização – DEMOCRATIZAR o espaço micropolítico que são as organizações, sobretudo as instituições públicas. Como sugere o psicólogo Ruy Mattos: “sendo a sociedade um supersistema constituído por instituições, organizações e grupos sociais, como podemos esperar a democratização do todo sem a democratização de suas partes? Como poderá conviver um governo democrático em sua expressão macro, com um infindável número de feudos organizacionais, com seus "baronatos", "principados" dificultando o exercício da prática e alimentando, no interior de suas fronteiras, a aristocracia e o compadrio como critérios de distribuição do poder administrativo?” Aqui se insere o conceito de democracia organizacional que faz surgir, por meio de processos dialógicos, lideranças facilitadoras, integrando pessoas e gerando sinergia, cooperação, motivação e criatividade;

2 – Ecologia Profunda: criar oportunidades de APRENDIZAGEM. Trata-se da educação continuada que, partindo do pressuposto de que o homem é co-criador de sua realidade ao expressar seus potenciais, permite o autoconhecimento e o autodesenvolvimento do ser humano, melhorando suas percepções de mundo e tornando-o mais integrado consigo mesmo, com o outro e com o seu ambiente (incluindo a natureza), gerando assim uma cultura biocêntrica, voltada para a valorização da vida. Desta forma, abre-se espaço para começarmos a fazer o novo e sairmos da repetição e do isolamento - características do homem racional e mecânico da era industrial. Esta iniciativa permite nos sentirmos parte de algo maior e mais significativo que é o trabalho com espírito de coletividade que deve ser realizado dentro das organizações, nos aproximando mais dos nossos semelhantes e alimentando uma ética da alteridade;

3 – Ecologia de Redes: como diz o físico Fritjof Capra, “o padrão da vida, é um padrão de redes, capaz de auto-organização”. As estruturas organizacionais devem quebrar mais as hierarquias que enrijecem o seu funcionamento e procurar uma melhor configuração por meio de ricas redes de RELACIONAMENTOS, interna e externamente. Logo, as organizações devem buscar, cada vez mais, aproximar-se e relacionar-se entre si e com a comunidade na qual se encontra inserida. Neste caso, estarão dando sua parcela de contribuição para a criação de uma rede de cidadania e convivencialidade no tecido social, harmonizando-o com o meio ambiente.

Uma mudança dessa magnitude não é tarefa das mais fáceis, reconheço, é complexa, mas possível (já existem muitos exemplos – o terceiro setor, que vem preenchendo um vácuo deixado pelo Estado, é o maior deles), desde que nós, sobretudo dirigentes empresariais e gestores públicos, esvaziemos nossa mente para entrada de novas idéias, valores e crenças e, principalmente, coloquemos sob controle nossa dimensão egóica, aquilo que a cultura patriarcal transformou em artigo de primeira necessidade. Como alerta o psicoterapeuta Humberto Mariotti, “o ego não tem a inocência necessária para aprender com o fluxo da vida”. Parece ser esta a mensagem que Gaia está tentando passar para nós, os seus inquilinos.

É, portanto, uma questão de escolha (liberdade): quem está disposto a mudar a si para mudar sua organização e, assim, mudar o mundo?

Por fim, é importante salientar que a intenção deste ensaio não é afirmar que esta percepção individual, portanto limitada, seja a correta, pois a certeza é cega - quanto mais se tem, menos se vê. A intenção é melhorar nossa capacidade de autocrítica e trazer subsídios para buscarmos juntos uma alternativa que satisfaça a todos – organizações, sociedade e o nosso ecossistema.

“Como instâncias fundamentais das sociedades atuais, as empresas e instituições, em função das quais tudo o mais se encontra organizado, são fóruns extremamente privilegiados para discussão, aprofundamento, experimentação, implantação e disseminação dos novos paradigmas da complexidade. Estamos conscientes de que mudá-las é mudar o âmago das sociedades, é mudar a forma como cada um de nós se coloca diante da vida.”
Ruben Bauer

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